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Terror e Miséria nas Prisões em Portugal

«Até sem caneta estamos aqui na cantina há quase um mês não tem caneta pra vender, não temos o que fazer, já reclamamos e dizem que caneta é uma arma em nossas mãos, pois mandamos cartas protestando nossos direitos.»

Nota editorial: Recebemos várias cartas de prisioneiras do E.P. de Tires. As denúncias que fazem carregam grande risco, estando constantemente a sofrer represálias, desde agressões a insultos, bem como ser barradas de fazer refeições e de receber encomendas, ou tendo a sua correspondência violada. É por isso um ato de coragem e resistência, a escrita destas cartas. As suas vozes ecoam dentro e fora das prisões, até que todos os muros caiam, e todas as prisões sejam obsoletas.

Acreditamos que a publicação deste artigo, longe de ser extensivo na análise das problemáticas, ou de apresentar soluções fáceis, possa servir como mais um passo na direção da abolição de todas as prisões, da busca pela verdadeira justiça e reparações históricas e na luta pelos direitos das e dos presos, e pela abolição de todas as prisões.


Abaixo assinado de mais de 50 reclusas do E.P. de Tires

Venho por meio desta carta comunicar as autoridades Brasileiras e a imprensa, que a situação do Estabelecimento prisional de Tires (Portugal) é deplorável para nós ‘Brasileiras’.

Primeiramente temos a questão de comunicação: o Ep dispõe de poucos meios para contato, uma vez que no pavilhão 1 que é onde estamos é dividido por 3 pisos. Cada piso é composto apenas por dois Telefones para cerca de 80 a 90 reclusas e só no primeiro piso são poucas menos de 30 (…)

Temos o intervalo de uma hora pela manhã e uma hora a tarde mas os pisos com mais pessoas se misturam e quase sempre fica trancado, nós temos 15 minutos diários para ligar mas com tantas reclusas e poucos Telefones por vezes se torna impossível sem falar na burocracia para adicionar o número ou carregar o “PT”. As pessoas que aqui vivem “portuguesas” também têm a mesma quantidade de tempo para chamadas porém sempre conseguem ligar várias vezes utilizando outos “PT’s” o que nos prejudica ainda mais em questão de contato com parentes e amigos. Nós temos o direito a visita mais por questões financeiras claro isso é quase completamente fora de questão, algumas até conseguem mas são casos raros, então nos dão oportunidade para chamada de vídeo que tem a duração de 20 minutos duas vezes por mês mais também por conta da burocrácia mal conseguimos fazer sequer uma chamada quanto mais as duas as desculpas são por falta de internet, email errado, ou simplesmente falta de uma guarda que saiba manusear o computador.

Temos as questões de encomendas que por sua vez vindas de longe demoramos a receber e se a mesma chegar a meio de um mês temos que esperar até que o outro se inicie para nos ser entregues.

Há guardas que nos entendem e tentam até nos ajudar, porém também existem aquelas que por muitas vezes nos humilham e nos tratam mesmo como inferiores pelo simples fato de sermos estrangeiras. Por muitas vezes quando alguma de nós passa mal a meio da noite, elas nem sequer se dão ao trabalho de abrir a cela para saber o que se passa, certo dia isso ocorreu, uma moça da cela ao lado da minha passou mal chegou a desmaiar, a guarda só levantou a portinhola dela e fez a seguinte pergunta ‘Ela estás a respirar’ depois virou as costas e foi embora sem mostrar nenhum sentimento, nós aqui é que cuidamos umas das outras como podemos.

Na questão alimentar por vezes a comida é servida como se fosse para porcos, fria, crua e por vezes parece estragada. A Dieta daqui baseia-se em peixe cru e batata crua. São raras as vezes que temos uma alimentação razoável.

Aqui quem não recebe ajuda da família tem direito a um kit de higiene, mas basta que receba um carregamento para que o mesmo seja cortado por meses, nossas famílias não têm condições financeiras para nos enviar carregamentos todos os meses, esse kit Básico deveria ser-nos fornecido pois as coisas aqui são super caras e até mesmo o que eram doações de instituições ou igrejas eram vendidas ao invés de doadas a quem precisa e muitas dessas doações eram foram cortadas para o Ep por reclamações das reclusas. Há também a situação de uma reclusa que suicidou-se por falta de atendimento e atenção por parte do Ep isso ocorreu no dia 1º de Janeiro 2023. No dia seguinte uma outra reclusa colocou fogo na cela e muitas de nós passamos mal porque ficamos presas por muito tempo inalando fumaça pois as guardas também com medo de inalarem fumaça não queriam abrir as portas, até hoje não vi aqui meios corretos para parar um início de incêndio ou para evacuar o prédio, não há explinters, não há extintores não há saída e se o fogo começa no andar de baixo o único que possui extintor e a saída, o resto de nós não temos para onde correr podemos não morrer queimadas mas sim asfixiadas enfim esta é a realidade do Estabelecimento Prisional de Tires (Portugal)

Assinada por 50 reclusas do Estabelecimento Prisional de Tires

Recebemos várias cartas de reclusas que estão no Estabelecimento Prisional de Tires. É importante notar que, ao noticiar sobre as pessoas presas, as opressões, problemas e contextos são múltiplos, não havendo um, mas sim dezenas de problemas, incidentes e queixas que se sobrepõem.

A prisão é um fractal, onde toda a sociedade e o aparelho repressivo do estado se encontram e chocam com as pessoas que estão presas. Por isso é impossível falar apenas de um caso, de uma situação ou de uma morte. São 12 mil seiscentas e dezoito pessoas presas em, 49 prisões Portugal, mais de 90% são ‘homens’ e cerca de 7% ‘mulheres’. Mais de 10 milhões de pessoas estão presas em todo o mundo.

Video: PTrevolutionTV
https://www.facebook.com/ptrevolutiontv.live/videos/679180154006804/

Não estamos todas, faltam as presas

«Todas no refeitório chamamos a chefe de turno … e lhe mostramos o prato. Resumindo, mais um dia todas sem almoçar»

O Estabelecimento Prisional de Tires é uma Prisão feminina (a ala masculina está desativada), com uma lotação de 667 e ocupação efetiva (em 2019) de 420 reclusas, quase metade do total de mulheres encarceradas em Portugal. Em Tires, 141 são mulheres estrangeiras, 51 delas são brasileiras, maioritariamente detidas por serem correios de droga. 

Esta semana o grupo de mulheres reclusas no EP de Tires realizou uma reunião pacífica no pátio do E.P de Tires, com o objectivo de conseguir que os carregamentos para as compras de comida fossem entregues. O carregamento chegou no dia 25 mas só seria possível fazer as compras 4 dias depois. Elas estavam sem comida há vários dias. Esta situação é recorrente. O grupo de mulheres tem vindo a reivindicar coletivamente por melhores condições na prisão. 

Reivindicaram assim coletivamente a entrega do carregamento mais cedo, tendo conseguido que as suas reivindicações fossem entregues pela guarda chefe de turno à diretora do estabelecimento prisional, e assim o carregamento foi libertado para que elas pudessem fazer as suas compras. Estas compras são importantes, porque a comida na cadeia muitas vezes está crua, ou não tem qualidade, sendo que as pessoas têm de comprar comida à parte. Há ainda assim, falta de comida, porque são muitas mulheres. «Às vezes passamos semanas sem comer só sobrevivemos no pão e o pão que compramos com o dinheiro que a família pode nos enviar. Os preços na cantina são totalmente o dobro da rua» diz uma outra reclusa numa carta publicada pelas Vozes de Dentro.

Além disso, enviaram uma carta de socorro direcionada a Lula da SIlva, pedindo ação da embaixada Brasileira para que sejam transferidas para cumprir a pena no Brasil. Embora a embaixada diga que houve transferências que foram aceites, elas ainda não aconteceram.

Relativamente a pedidos de extradição de cidadãos estrangeiros, o Observatório Europeu das Prisões diz que:

Na prática, os reclusos têm de solicitar o contacto com os seus representantes diplomáticos ou consulares diplomáticos ou consulares, o que pode eventualmente acontecer, mas é muito difícil.

O estatuto exige que os reclusos estrangeiros sejam informados da possibilidade das referidas transferências e da forma de e sobre como processar tal pedido, bem como que sejam mantidos informados sobre o estado do seu pedido uma vez apresentado. De facto, os reclusos não são informados. Quando recorrem ao processo de extradição, podem ter dificuldade em saber o estado do seu pedido. E quando são extraditados, podem não saber o que vai acontecer até ao momento da transferência efectiva.

“Sim cometemos um crime. E estamos pagando por isso. Mas…”

Nas cartas, as mulheres queixam-se de xenofobia, maus-tratos, fome, abuso de poder, humilhação, preconceito, falta de assistência médica ou de remédios e péssima alimentação. Há casos em que as reclusas são negadas refeições arbitrariamente pelas guardas, como represália por denunciarem as condições na cadeia.

Nos poucos momentos em que podem sair das celas existem várias filas: a do café, a do almoço e a do Telefone. Aí, as pessoas têm de escolher, se vão comer ou se vão fazer uma chamada. As filas são sempre muito longas, o que resulta com que as pessoas muitas vezes não consigam fazer aquilo que precisam.

«Os e as guardas têm gritado para nós que não gostam de ser ameaçados e que não têm medo das nossas denúncias», diz uma das cartas. Após as denúncias em carta feitas pelas reclusas, as canetas parecem ter desaparecido da cantina, e várias têm sofrido represálias. A correspondência das reclusas também é aberta e lida pelos serviços prisionais.

As reclusas Brasileiras em Tires relatam ser vítimas de Xenofobia, «Somos tarjadas de “mal educadas”, “faveladas”, “Putas” constantemente tanto por guardas como por reclusas.» 

«Tenho muito medo de acontecer algo aqui comigo pois já vi acontecer coisas horrorosas e castigos, até com homem polícia batendo em recluso» diz uma das cartas.

«Aqui há muitas reclusas com problemas de saúde que enfermeiros dão remédios trocados e não encaminham para o hospital», diz um dos relatos. Numa outra situação, uma reclusa foi levada a sangrar das orelhas e do nariz para o hospital, mas «a guarda não a deixou ser submetida a exames nem ser medicada, à mesma disse que tinha medicação para ela no E.P.»

Uma das mulheres diz ter problemas de estômago. No entanto, a enfermeira medicou-a com antidepressivos. Uma outra, com uma doença grave,em tratamento antes de ser presa, foi-lhe negada a medicação para o continuar, causando-lhe fortes dores e sangramento. Outras reclusas com doenças contagiosas ou sexualmente transmissíveis, não recebem qualquer tratamento. As cartas contêm pedidos de socorro de reclusas que sofrem de problemas muito graves de saúde que apenas se agravam, desdobrando-se em depressão, ansiedade e outros problemas. 

«Se ficarmos doentes morremos aqui, por não ter um atendimento médico, é uma humilhação»

Tomam em vez disso, medicamentos “aleatórios”, dados por guardas ou “agentes de saúde” , mas nunca prescritos por médicos, que pioram muitas vezes as suas situações clínicas, causando até mortes, como se pode imaginar. No caso de Danijoy, que abordamos mais à frente, é mencionado que ele estava a tomar muita medicação não prescrita “o que podia causar ataques cardíacos” como referem os enfermeiros. Se Danijoy não foi morto às mãos dos guardas, morreu de tomar as drogas da prisão. 

«É tão irónico estarmos presas por drogas e o próprio sistema do E.P. nos drogar com medicações para nos controlar, algumas reclusas andam pelo pavilhão drogadas».

As reclusas apesar disto, dizem ‘apoiar a greve’ das guardas prisionais. Relatam que por vezes só há uma guarda para os três pisos, e por serem poucas nos turnos, essa sobrecarga recai ainda mais as reclusas, pelo nervosismo e stress que as guardas passam também. 

O artigo “A Prisão no Feminino” publicado no Jornal Mapa em 2022, dá conta da situação das mulheres presas em Portugal, cerca de 10% da população prisional, uma das taxas mais altas na Europa, e que tem vindo a aumentar. Por serem menos, são relegadas ao silenciamento das suas experiências na prisão.

Lê-se no artigo do MAPA que:

«As condições a que são sujeitas, desde a péssima alimentação; a falta de acesso a cuidados dignos de saúde, a produtos de higiene, a fraldas e a produtos essenciais para bebés e crianças; a sobrelotação; as celas frias e degradadas e, e tal como nos foi relatado desde uma prisão feminina no último mês de Novembro, a falta de água quente, são acrescidas de maior violência e abusos, em parte, devido aos estereótipos de género e raciais que legitimam a dupla/tripla punição exercida através de um maior controlo e repressão pela imposição de regras mais estritas, maior aplicação de sanções disciplinares, medicalização e violências sexuais e raciais. De referir que esta dupla/tripla punição (em função do «crime», do «género» e da «pertença étnico-racial») é também exercida pelos tribunais que tendencialmente condenam as mulheres a penas maiores e lhes aplicam menos medidas de flexibilização. 

(…)

Os processos de criminalização são, muitas vezes, expressão da continuidade da violência machista a que já eram sujeitas nas suas vidas e que é perpetuada dentro da prisão. Isto porque muitas mulheres presas resistiram nas suas vidas a vários tipos de abuso e de violência de género, sendo comum que os seus crimes estejam diretamente relacionados com a obtenção de recursos para a sobrevivência, como é exemplo o tráfico de droga.»

No caso do tráfico de droga como motivo que leva as mulheres a serem encarceradas, os estudos mostram que as mulheres são acabam por ser presas por causa do tráfico, especialmente motivadas por fatores de necessidade económica associadas à pobreza  e ao desemprego, mas também, em muitos casos, porque são forçadas, ou enganadas, para que o façam, muitas vezes elas próprias vítimas de crimes ligados ao tráfico de seres humanos.

Uma das reclusas relata isso mesmo na sua carta:

«Vim enganada que traria microchips de criptomoedas para não pagar imposto pois valeria bem mais apenas pagarem minha viagem do que o imposto e colocaram cocaína na minha mala, fui enganada por criminosos e estou respondendo um processo de tráfico, mas por mais que trouxe cocaína fui um correio como várias meninas que chega todos os dias aqui em Tires, enquanto a rede de tráfico está livre, “nós” correios ou mais conhecidas por “mulas” estamos aqui respondendo por um processo de tráfico e vamos ficar de 4 a 12 anos numa cadeia que nos trata muito mau com xenofobia»

Grande parte das pessoas que estão presas, foram elas próprias vítimas de diversos abusos, violência e pobreza, e no caso das mulheres, muitos dos crimes que cometem estão diretamente relacionados com os abusos de que sofrem tais como terem fugido de casa quando eram crianças, consumo de drogas para lidar com os efeitos dos abusos na saúde mental e trabalho sexual para pagar a auto-medicação, ou por se revoltarem contra parceiros violentos.

Na prisão, sofrem ainda mais, seja de violência física dos guardas, racismo, xenofobia, ou violência sexual.

Quando Entramos para Cumprir uma Sanção, Logicamente que Sabemos que Viveremos Sob um Regimento de Sistema Prisional, Mas Nem imaginamos o que acontece por Dentro Dos Portões e grades. (…) Sofremos De preconceitos, Xenofobia, Racismo, Homofobia, Abuso De Poder e Abuso de confiança. No Sistema Prisional não é ofertado Nenhum Tipo De Ressocialização.” diz uma reclusa em carta publicada no artigo do Jornal Mapa.

entraram vivos, saíram Mortos

No ano de 2023, o primeiro dia de Janeiro foi o último, na vida de Patrícia Ribeiro. Enforcou-se no 1º piso do Estabelecimento Prisional de Tires, onde centenas de mulheres estão presas. 

 «Gritavam com ela e ela tinha que trabalhar drunfada, pois a enchiam de medicação. Ela tentou suicidar-se várias vezes» lê-se numa carta publicada pelo coletivo Vozes de Dentro, a 19 de Janeiro “Relato sobre o suicídio de Patrícia Ribeiro na prisão de Tires”. No dia seguinte, outra reclusa pegou fogo à cela.

O Coletivo Vozes de Dentro escreveu nessa altura que:

«A maioria das mortes nas prisões são relegadas ao silêncio mórbido do sistema prisional, especialmente as que ocorrem nas prisões femininas. Quando vêm a público são alvo de especulação mediática, de péssima qualidade, por parte de jornais e televisões, tal como sucedeu com as recentes mortes de Maria Malveiro dia 29 de Dezembro de 2021». 

São comuns os relatos de que guardas prisionais entragam cordas a reclusas, motivando-as a se matarem.

O número de mortes em prisões portuguesas é elevado. Nos últimos dez anos, houve 649 mortes nas prisões. No entanto, estes óbitos não são investigados. O DN noticiava em 2022 que das 303 mortes em prisões nos cinco anos anteriores, apenas 6 foram investigadas pela PJ. Pouco ou nada se sabe sobre as condições que levaram à morte destas pessoas. A taxa de mortes anuais nas prisões Portuguesas é o dobro da média Europeia, com 50 mortes por 10 mil reclusos.

Esta semana, um relato das Vozes de Dentro diz que, vários rumores apontam para que um jovem de 17 anos que estava preso em Custóias, teria sido internado em morte cerebral no hospital Pedro Hispano no Porto. Esta informação foi também avançada pelo Correio da Manhã. A APAR veio desmentir a notícia, dizendo ter contactado a DGRSP, que afirma que “o recluso em causa (…) se encontra perfeitamente integrado e sem registo de qualquer incidente (…) de saúde”. As pessoas que inicialmente fizeram a publicação na internet, dizem ter-se enganado. A notícia oa CM citava um dirigente do Sindicato dos Guardas Prisionais afirmando que “há imagens de videovigilância e foi suicídio”, e negando quaisquer agressões ao jovem. A família também terá confirmado que afinal, seria mentira. 

Mas porque disse o dirigente do sindicato à CM que foi suicídio, se a DGRSP diz afinal que não houve quaisquer incidentes? O que aconteceu? 

Não sabendo o que aconteceu com este jovem, existe em Portugal um padrão de ocultamento que rodeia as agressões e maus tratos nas prisões. O Relatório da Comissão para a prevenção da Tortura de 2020 menciona casos em que os relatórios dos oficiais de serviço não mencionava o facto de que a polícia anti-motim tinha entrado e disparado sobre uma manifestação pacífica numa prisão do Porto.

No mesmo dia 15 de setembro de 2021 morreram três pessoas em prisões, duas das quais, no Estabelecimento Prisional de Lisboa, Danijoy Pontes e Daniel Rodrigues. O estado afirma que estes jovens tiveram uma “morte natural”

Danijoy Pontes de 23 anos, faleceu no dia 15 de setembro de 2021 no EPL de Lisboa, e este ano, o processo foi arquivado alegando, “morte natural”. Daniel Rodrigues de 37 anos, que morreu na mesma ala do EPL a poucos metros de distância e com poucos minutos de diferença de Danijoy. Miguel Cesteiro, de 53 anos, foi encontrado morto a 10 de janeiro de 2022 no EP de Alcoentre. Sobre todos estas mortes recai o silêncio do estado, o segredo de justiça, obstáculos burocráticos e mentiras. Em 2022 houve 58 mortes nas prisões.

As famílias organizaram uma manifestação a 17 de Setembro 2022 para exigir justiça por Daniel, Danijoy, Miguel e todas as vítimas do sistema prisional. As familías afirmam que eles foram assassinados. A resposta do estado, de “morte natural” é simplesmente inacreditável. É, no mínimo, improvável que dois jovens de 23 e 37 anos tenham morrido no mesmo dia de “mortes naturais”, no mesmo lugar.

No manifesto da manifestação “ENTRARAM VIVOS E SAÍRAM MORTOS!” lia-se:

“Ao contrário do que diz a lei, perante estas três mortes, todas em circunstâncias suspeitas, a Polícia Judiciária não foi chamada ao local. Além disso, a demora no acesso aos corpos das vítimas e aos relatórios das autópsias por parte das famílias são sintomáticos da invisibilização produzida pelo estado que condena ao silêncio e ao esquecimento as violações nas cadeias portuguesas. Como é possível que a DGRSP se tenha apressado a arquivar tão rapidamente estes casos? Porque não respondem aos pedidos feitos pelos advogados? Onde estão os relatórios das autópsias de Daniel e Miguel?

De facto, as instituições de justiça portuguesas ignoram o sofrimento e a angústia das mães, filhos e filhas das vítimas do estado, parecendo não se preocupar com o facto de, em Portugal, o tempo médio de duração da pena de prisão ser o triplo da média europeia, e de, nas últimas décadas, Portugal ser dos países onde mais se morre nas prisões e o terceiro com maior taxa de suicídio. Acrescem ainda denúncias sistemáticas de situações de tratamento desumano e tortura nas prisões. Porque esteve Danijoy na solitária nos dias que antecederam a sua morte e porque continuam a existir estes espaços? Porque não puderam as mães visitar os seus filhos durante tanto tempo?”

A 10 de março de 2023 decorreu a mais recente mobilização Juntas/os do Luto à Luta: Justiça para Daniel, Danijoy e Miguel’, em frente ao Ministério da Justiça, para exigir que o estado português assuma as suas responsabilidades relativamente à morte destes jovens e de todas as pessoas presas que morreram sob a tutela do estado, e abra uma investigação séria para apurar as causas das suas mortes. Esta mobilização foi filmada pela PTrevolutionTV.

Nesse dia, entregaram uma carta à Ministra da Justiça. As mães continuam em luta por justiça e verdade sobre as mortes dos seus filhos. Não é aceitável que as famílias não sejam notificadas sobre o desenvolvimento dos casos e das investigações. Os casos foram arquivados este ano, sem mais explicações.

Sabemos pelas autópsias, que os dois jovens estavam a tomar grandes quantidades de medicamentos, incluindo metadona, mas não tinham qualquer problema de saúde que justificasse a toma destes medicamentos. Não eram os únicos. Todas as pessoas reclusas afirmam ser “drunfadas” em grandes quantidades sem qualquer justificação.

Como se lê no Afrolink, “ninguém explica como é que um jovem de 23 anos, que em Julho tinha sido acusado de simular doença psiquiátrica, revela ter à data da sua morte, em Setembro, medicamentos para tratar a esquizofrenia no organismo.”

Na altura, a mãe de Danijoy, Alice Santos, falou no Lado Negro da Força, explicadno que há uma série de incongruências no caso, incluíndo a presença de sangue nas roupas de Danijoy, bem como um hematoma na testa, “como se estivese partida”.

Numa Audição a Especialistas sobre Afrodescendentes e Comunidade Brasileira da Comissão De Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades E Garantias, em 2019, Mamadu Bá, dirigente do SOS Racismo, ativista contra o racismo e discriminação étnico-racial, disse que não houve até agora nenhuma condenação que resultasse em pena de prisão efetiva por abuso de violência policial, o que aponta como uma falha do estado:

«Nos últimos tempos, temos visto vários casos de violência policial, mas não só, de pessoas que desempenham funções, supostamente, de segurança e que abusam desta prerrogativa para exercer violência sobre corpos negros e nada acontece relativamente a isto. Até agora, todos os casos ou foram arquivados ou as pessoas foram condenadas a penas suspensas.»

A falta de condenações na Justiça por atos de racismo ou discriminação traz um sentimento de impunidade para quem os pratica, e demonstra a desigualdade na aplicação da justiça. Em Portugal, uma pessoa pode ser presa durante anos por um pequeno furto, mas outra pessoa pode escapar impunemente à justiça após assassinar alguém, especialmente se o assassino pertencer às forças do aparelho repressivo do estado. Transformar o racismo num crime público pode ser o caminho para o fim da impunidade.

Video: PT Revolution TV
https://www.facebook.com/ptrevolutiontv.live/videos/788407732899323/

No dia 10 de Junho, decorreu uma acção de luta e homenagem às vítimas de racismo e xenofobia em Portugal. Este dia, celebrado nacionalmente pelo estado como sendo o “dia de camões”, foi precisamente o dia em que Alcindo Monteiro foi brutalmente foi brutalmente assassinado, em 1995, por um grupo de nazifascistas.

Os mesmos que hoje, acusam Mamadou Ba. As últimas audiências decorreram este mês, num processo por alegada “difamação” movido por um dos assassinos do grupo que matou Alcindo Monteiro

Audio: “Quando há discriminação racial, não há democracia”
Entrevista com Mamadou Ba

Em Portugal, a lei não permite apurar estatísticas étnico-raciais da população prisional, apesar das recomendações da ONU para que o faça. Mas sabemos que há uma grande desproporção de pessoas afrodescendentes, ciganas e brasileiras na população prisional. 

Numa reportagem do Público, “Racismo à Portuguesa”, diz-se a proporção de cidadãos dos PALOP que está presa é dez vezes maior do que de cidadãos portugueses. Para Cabo-Verdianos, é 15 vezes maior. Um em cada 48 cidadãos cabo verdianos em Portugal, está detido, um em cada 37 (homens) dos PALOP está preso. Na Amadora e em Sintra, um cabo-verdiano tem 19 vezes mais probabilidades de estar preso do que um português.

O Relatório da Comissão para a Prevenção da Tortura, aquando da sua última visita a Portugal, em 2019, diz que “foram recebidas várias alegações de maus tratos infligidos a reclusos por funcionários prisionais, nomeadamente nas prisões de Caxias, Central de Lisboa e do Porto. Os maus-tratos consistiram em bofetadas, murros, pontapés e golpes de cassetete no corpo e/ou na cabeça.

Também menciona um outro caso, no Porto, em que os reclusos foram atingidos por balas de borracha: “Em dezembro de 2018, no decurso da greve dos guardas prisionais, um protesto passivo na ala A foi interrompido por um grupo de intervenção com equipamento anti-motim, durante o qual foram disparadas várias balas de borracha e vários reclusos ficaram feridos.”

A comissão nota que “Os relatórios diários do oficial de serviço (Relatório do Graduado de Serviço do dia), que não eram exactos nem exaustivos, não mencionavam qualquer distúrbio nesse dia e o estabelecimento prisional também não possuía qualquer livro de registo de incidentes.

Na altura o comité recomendou que fossem tomadas medidas para assegurar que a informação e os relatórios relativos a incidentes “extraordinários” sejam classificados numa pasta específica.

Podemos assim confirmar pelo relatório que a omissão dos incidentes “extraordinários” é prática corrente nas prisões. Ninguém parece querer assumir responsabilidade sobre o tratamento criminoso de reclusos dentro das prisões por parte do estado.

Os “média” são cúmplices, ao retratarem as pessoas como criminosas, focando-se sempre nos crimes que cometeram, nos dramas individuais que as envolvem, criando assim uma atmosfera de ódio, terror e desconfiança relativamente à pessoa reclusa e ignorando a tortura e os maus tratos sistemáticos a que são submetidas as pessoas que estão presas em Portugal, os atropelos à lei, a injustiça, o racismo e xenofobia sistemáticos a que as pessoas são sujeitas, dentro e fora dos muros das prisões.

Existem mais de 20 processos contra Portugal no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos sobre as condições nas prisões.

Num dos acórdãos do TEDH que condena Portugal pelas condições do meio carcerário, o relativo ao ex recluso romeno Daniel Petrescu, em 2019, o Estado português é instado a criar um mecanismo para a proteção dos direitos dos reclusos que faça respeitar as condições do Comité de Prevenção de Tortura.

Portugal foi recentemente condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por violação do artigo 3º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (que estabelece a proibição de tratamentos desumanos e degradantes), num caso movido por um cidadão ucraniano que esteve preso em Portugal.

O Papa chegou esta semana a Portugal. Entre a contestação social, a chamada ao boicote, os mais de cem milhões de euros gastos para receber os quase dois milhões de peregrinos, a tentativa de apagamento e desalojo das populações de sem-abrigos em Lisboa, uma outra questão foi abordada: A Amnistia.

Pela vinda do Papa a Portugal, o estado decidiu conceder amnistia a pessoas que foram presas com entre 16 e 30 anos, e que cumpriam penas até 8 anos de prisão. A amnistia retira um ano de pena.

A contestação alastrou-se dentro e fora das prisões. Em várias prisões, os reclusos fizeram abaixo-assinados com centenas de assinaturas para propor alterações a esta proposta de Amnistia do Governo. Na semana que passou, a PTrevolutionTV acompanhou um protesto de familiares de reclusos em frente à assembleia.

Video: PTrevolutionTV
https://www.facebook.com/ptrevolutiontv.live/videos/269573902350566/
Audio: Protesto de Familiares de Reclusos, “Amnistia para Todos”

O Duas Linhas escreveu que:

 «Depois dos reclusos do Estabelecimento Prisional de Aveiro terem divulgado um abaixo assinado com dezenas de assinaturas onde propõem alterações à proposta (que terá de ser discutida e votada na Assembleia da república), outros grupos de reclusos de outras prisões fizeram o mesmo.

No Estabelecimento Prisional da Carregueira (Ala A), reuniram 207 assinaturas. No Estabelecimento Prisional de Monsanto, 37 assinaturas. No Estabelecimento Prisional de Tires (Feminino), 111 assinaturas. Segundo a Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR), “há muitos mais Estabelecimentos Prisionais a fazer a recolha de assinaturas.»

Abaixo os Muros de Todas as Prisões

O quão difícil é imaginar um mundo sem prisões? 

Em Junho decorreu em Lisboa a Feminist No Borders Summer School que onde se debateu “a violência das fronteiras, das prisões e das formas patriarcais de opressão e controlo, para desordenar, como desmantelar lógicas carcerárias, e como substituir respostas humanitárias por solidariedade feminista e solidariedade feminista e antirracista”

Adotar uma perspetiva abolicionista significa dissociar os cuidados das abordagens punitivas, coercivas e humanitárias e humanitárias, todas elas promulgadoras de carceralidade e controlo. De facto, as práticas quotidianas de cuidados, de ajuda mútua, solidariedade e amor radical, fora da lógica da ajuda humanitária (por exemplo, as ocupações auto-organizadas de habitações, de habitação auto-organizados, busca e salvamento civil, cozinhas colectivas, clínicas sociais, etc.) são frequentemente alvo de criminalização e repressão estatal.

O nexo cuidados/controlo reproduz fronteiras violentas. Por exemplo, nos discursos anti-tráfico Por exemplo, nos discursos anti-tráfico, as pessoas identificadas como mulheres são frequentemente consideradas vulneráveis e necessitadas de “cuidados” humanitários. “humanitária”; no entanto, no regime de fronteiras, a vulnerabilidade é transformada em arma através de através do desempoderamento sistémico, do acampamento e da degradação em instituições carcerárias (como campos e centros de detenção).

Feminist No Borders Summer School
https://feministresearch.org/wp-content/uploads/2023/02/FNBSS-2023-CfP.pdf

O artigo As Prisões são o Vírus no Jornal Mapa diz que:

«As taxas de reincidência nos diversos sistemas prisionais pelo mundo são de 75% ou mais. Em Portugal, foi possível apurar, pelo Observatório Europeu das Prisões, que cerca de 80% das pessoas presas já foram institucionalizadas, algumas desde crianças, em instituições de acolhimento de crianças, casas-abrigo para vítimas de violência doméstica, casas de inserção da Segurança Social, hospitais psiquiátricos; e ainda que cerca de metade das pessoas presas são filhas de presos.»

As taxas de reincidência são cerca de 75%. Isto demonstra que o sistema prisional é disfuncional, e não promove qualquer tipo de reparação ou reinserção.

O movimento abolicionista assume que a punição carceral está associada historicamente à escravatura e ao regime racial capitalista que mantinha a escravatura. A expansão do sistema prisional serve para oprimir as pessoas negras e outros grupos politicamente marginalizados para manter o sistema racial capitalista. 

Angela Davis no seu livro “As prisões estão obsoletas?” questiona “com é difícil imaginar uma ordem social que não se baseie na ameaça de sequestrar as pessoas em lugares terríveis, destinados a separá-las das suas comunidades e famílias. A prisão é considerada tão “natural” que é extremamente difícil imaginar a vida sem ela.”

A Abolição significa um mundo onde não usamos o complexo prisional industrial como resposta aos problemas. A Abolição significa que em vez disso, construimos novas formas de prevenir. Responder aos problemas quando eles acontecem, sem simplesmente ‘punir’. Tentaremos resolver as causas dos problemas, em vez de usar soluções falhadas. Em vez de usar a polícia, os tribunais e as prisões, construir comunidades sustentáveis e saudáveis, com o poder de criar segurança para todes.

Podemos sim, imaginar e construir um mundo mais humano e democrático que não tenha de encarcerar pessoas para resolver problemas sociais. 

A longa história de oposição às prisões é tão antiga quanto as próprias prisões.

«Eu não consigo entender, se o país ou o estado não tem condições de nos manter no E. P. Tires, porquê querem tanto nos segurar aqui.»

Se, por um lado, o sistema prisional Portguês está longe de ser igual ao de outros países, como nos Estados Unidos, onde as prisões são geridas por empresas privadas, gerando lucros cada vez maiores, e com tendência a um crescimento cada vez maior da população prisional, também é verdade que as prisões são todas elas lugares problemáticos. 

A incapacidade do sistema prisional em todo o mundo de impedir de forma alguma que a maior parte das pessoas que são privadas de liberdade ao longo das suas vidas voltem a cometer crimes, e aliás, voltar à prisão mais tarde, deveria servir como argumento para qualquer tese que defenda a necessidade da existência das prisões como lugares de penitência ou reabilitação. Devemos questionar, como diz Angela Davis, porque é que tanta gente acaba presa, sem um debate maior nas nossas sociedades sobre a eficácia do encarceramento.

Cada prisão gera uma nova prisão, e multiplica o número de pessoas encarceradas.

Porque será que tomamos a prisão como garantida, parte do sistema estatal, policial e da justiça? Porque insistimos em encarcerar as pessoas, em vez de procurar outras formas de justiça? E porque pensamos que as prisões estão reservadas para os “criminosos”, ou aqueles “que praticam o mal” (um termo popularizado por George W. Bush)? 

A realidade é que, uma parte substancial das pessoas que está presa, foi por razões que, poderiamos argumentar, são insuficientes para tal pena. As prisões são parte de um sistema racial / racista, que aplica a “justiça” com dois pesos e duas medidas, e tende a encarcerar as populações migrantes e marginalizadas muito mais do que as maioritárias ou hegemónicas. 

Além disso, a prisão está amarrada à história da colonização e da escravatura. Em 2023, as Jornadas Mundiais da Juventude assinaram um acordo com o sistema prisional para produção de confessionários nas prisões, com o trabalho a ser pago entre 2 a 3 euros por dia. O trabalho nas prisões é um dos casos de escravatura moderna. 

Como diz a campanha “Sem PAPAS na língua”, em Portugal, «o encarceramento afeta mais de 14 mil crianças graças à reclusão de pelo menos uma figura cuidadora.» 

Como seria um mundo sem prisões? O que fazemos com os “prisioneiros”? Com os “criminosos”?

Primeiro, temos de reconhecer que dificilmente conseguiríamos criar mais crime do que aquele que já é produzido pelo próprio sistema carcerário e policial. O encarceramento institucional é o crime organizado e gerido pelo Estado.

Depois, entender que, nas condições atuais, com as desigualdades que vivemos, as populações pobres, migrantes e marginalizadas, são muito mais policiadas do que as populações brancas ricas, levando a que tenham muito maior probabilidade de ser encarceradas. Quantos dos “crimes”, são cometidos por pessoas brancas que não estão, e provavelmente, nunca serão presas? Porque é que um banqueiro pode roubar milhões e não ser preso, e uma pessoa racializada que rouba carteiras na rua vai presa uma década?

Para abordarmos o abolicionismo, temos de procurar propostas e estratégias alternativas. 

Grande parte da população prisional abandonou cedo a escola. Dentro das prisões são poucos os que têm sequer o ensino secundário. Não é por “falta de educação”,  necessariamente, mas sim porque as escolas falharam com estas pessoas. O abandono escolar é reconhecido, até pelo sistema prisional, como um fator de “alienação” e de marginalização das pessoas no princípio da vida.

A criação de novas instituições para ocupar o espaço que a prisão ocupa na sociedade e diz Angela Davis, o reforço das escolas, sobretudo, que surgem como a mais poderosa alternativa às prisões. “Enquanto não tornarmos as escolas em lugares onde a aprendizagem seja uma alegria, as escolas vão continuar a ser os principais condutores para a prisão”. A alternativa, seria tornar as escolas em veículos para o “de-carceramento”.

No sistema de saúde, diz Davis, é importante notar que “há uma escassez de instituições disponíveis para as pessoas pobres que sofrem de doenças mentais e emocionais severas”. De acordo com Angela Davis, “há hoje mais pessoas com desordens mentais e emocionais dentro das prisões do que nas instituições de saúde mental”. Esta chamada, longe de pedir um retorno ao antigo estado de encarceramento e opressão das pessoas que sofrem de problemas de saúde mental, “sugere que as disparidades nos cuidados de saúde disponíveis aos ricos e pobres, devem ser erradicadas, criando outro veículo para o decarceramento.”

Devemos tentar imaginar alternativas múltiplas que irão necessitar grandes transformações na nossa sociedade. Para isso temos que nos dirigir a “solucionar também o “racismo, a dominação masculina, a homofobia, o preconceito de classe e outras estruturas de dominação”.

Em Portugal conseguimos já a descriminalização do uso de drogas, o que nos levou séculos para a frente em termos de encarceramento de utilizadores de drogas. No entanto, esta medida não confronta o facto de que, na economia da droga, são geralmente as pessoas marginalizadas, migrantes ou pobres que servem de mulas, ou que fazem a venda da droga ao consumidor, sendo que, geralmente, os grandes traficantes seguem impunes, ao passo que as pessoas marginalizadas sofrem as consequências de constantes incursões policiais aos bairros sociais. A guerra às drogas leva sempre grandes números de pessoas negras e racializadas para as prisões.

A descriminalização do trabalho sexual é também importante, para pararmos de penalizar aquelas pessoas que fazem trabalho sexual. 

Além disso, rever políticas de imigração, atribuição de vistos e cidadania, seriam fatores que em muito poderiam ajudar. Há em Portugal pelo menos, 15.000 pessoas indocumentadas ( eram mais de 30.000 antes da pandemia ). Há também muitas que não conseguem cidadania ao longo das suas vidas, mesmo tendo nascido em Portugal. Estas pessoas são extremamente vulneráveis, passam a vida a ser perseguidas e tratadas como criminosas.

Devemos assim procurar quais os comportamentos e situações devem ser “apropriadamente” descriminalizados, bem como quais os problemas urgentes que temos de resolver, para melhor definir quais os crimes graves, que devem ser alvo da justiça e quais aqueles que são simplesmente parte de um sistema falhado, como passos anteriores à abolição.

Precisamos de refazer os sistemas de justiça, procurando reparação e não retribuição.

«Académicos como Herman Bianchi sugeriram que o crime precisa de ser definido em termos de delito e, em vez de direito penal, deveria ser direito reparador. Nas suas palavras, “[o infrator] já não é, portanto, um homem ou uma mulher mal-intencionados, mas simplesmente um devedor, uma pessoa responsável, cujo dever humano é assumir a responsabilidade pelos seus actos e o dever de reparação”.»

Angela Davis, “Are Prisons Obsolete?”

Informações Úteis:

A PTrevolutionTV é um coletivo de jornalismo independente, que acompanha os movimentos sociais nas ruas, desde 2013.

Se estiveste preso ou és familiar de alguém preso, e queres partilhar a tua história, escreve para [email protected] (não sabemos se o email ainda está a ser mantido)

As Vozes de Dentro são um grupo de pessoas presas e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas de presxs e suas famílias.

O Jornal Mapa noticia frequentemente sobre as pessoas presas e as condições nas cadeias.

O Estado Matou de Novo foi um grupo criado depois das mortes de Miguel, Danijoy e Daniel, para exigir verdade e justiça numa mobilização a 17 de Setembro de 2022, mas que continua ativo.

O Movimento SOS Racismo existe desde 1990 e propõe uma sociedade mais justa, igualitária e intercultural onde todos, nacionais e estrangeiros com qualquer tom de pele, possam usufruir dos mesmos direitos de cidadania. 

A APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso, apoia os reclusos detidos em cadeias portuguesas.

Marcha do Orgulho LGBTQIAP+ de Santarém conseguirá levar exposição de fotografia com crowdfunding bem sucedido!

Depois da Câmara se recusar a apoiar a MOS no valor de 200 euros o coletivo conseguiu arrecadar esse valor através de um crowdfunding bem sucedido. O Município ficou em silêncio.

A exposição “Famílias LGBTI+” da Mag Rodrigues estará em Santarém!

via: MOS Santarém:

Na sequência do que partilhámos nas últimas horas convosco, criamos um GoFundMe, de forma a conseguirmos trazer a exposição “Famílias LGBTI+” da Mag Rodrigues até Santarém.

👉 Vimos o nosso pedido de ajuda recusado pela Câmara Municipal de Santarém, sem qualquer justificação.

🏳️‍🌈🏳️‍⚧️Por favor, ajudem-nos aqui: https://gofund.me/465e2cd8

No dia 7 de junho, a MOS enviou um pedido de colaboração, via e-mail, à Câmara Municipal de Santarém, no sentido de solicitar apoio financeiro para trazer a exposição fotográfica “Famílias LGBTI+” da artista Mag Rodrigues. A 25 de julho, o executivo responde unicamente “Em resposta ao vosso pedido, serve o presente para informar da indisponibilidade do Municipio para o apoio solicitado.”

Desde a primeira Marcha presencial, em 2021, que convidámos o executivo a estar presente, não só não se fez representar por ninguém, como nunca obtivemos resposta.

O ano passado, à semelhança do que fizemos no ano anterior, solicitámos à CMS a utilização do Coreto, no Jardim da República, espaço público, bem como o acesso à eletricidade do mesmo para fazermos a leitura do manifesto e darmos lugar aos discursos. Vimo-nos sem acesso à eletricidade.

Questionámos, ligámos, mas sempre sem resposta.

Sabemos que a Câmara Municipal de Santarém gastou 46.125 € em bilhetes para touradas que depois são oferecidos à população. Sabemos também que, num outro contexto, a propósito da vinda de Diogo Faro a uma conversa no Instituto Politécnico de Santarém, o vereador do PSD Diogo Gomes juntou-se ao debate defendendo que a Câmara “deve informar os artistas que querem vir a Santarém que somos um executivo pró-taurino, que apoia a caça, e perguntar-lhes se o dinheiro que vão receber deste município é dinheiro manchado ou se é dinheiro com algum timbre com o qual possam não se identificar.”

“Diogo Gomes terminou com um recado indirecto ao vereador da Cultura: “Se calhar temos que olhar mais para a nossa programação. Eu próprio fiz agora esse exercício em cinco minutos e começo a perceber que temos aqui uma agenda: nós somos Santarém, somos a terra da liberdade e estamos abertos a tudo… agora, tem que haver um equilíbrio. E começo a ver que há aqui um desequilíbrio relativamente à nossa programação. Ainda no dia 3 houve mais uma vez um evento promovido pelo município sobre igualdade de género, sobre LGBT. Não tenho nada contra, mas tem que haver equilíbrio…”. – lê-se em notícia da imprensa regional.

Foi com profundo espanto, admiração e tristeza que obtivemos tal resposta da Câmara Municipal de Santarém. Mais do que nunca, a organização da Marcha do Orgulho LGBTQIAP+ de Santarém tem certezas de que é necessário marchar para levar Santarém mais além. Marchamos, porque queremos os espaços públicos de Santarém, como unidades de saúde, forças de segurança pública, juntas de freguesia e câmara municipal, preparados e informados para lidar, apoiar e representar as pessoas LGBTQIAP+. Marchamos, porque as escolas têm de ser referências contra a violência LGBTI+fóbica e os serviços de acompanhamento psicológico nas instituições de ensino, do básico ao superior, incluindo apoio especializado em questões LGBTQIAP+! Marchamos pelo direito a uma educação sexual completa e inclusiva para com todas as características sexuais, orientações sexuais, identidades e expressões de género. Marchamos pela necessidade e urgência de Santarém se afirmar como uma cidade segura para todas as pessoas, em particular para as LGBTQIAP+.

Marchamos porque queremos Santarém inclusiva!

Agora, tendo a MOS obtido um NÃO claro por parte da autarquia questionamos:

  1. A que se deve esta indisponibilidade por parte da CMS?
  2. O que realizou a autarquia no âmbito da Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação – Portugal +Igual (ENIND 2018/2030), aprovada pela Resolução do Concelho de Ministros n.° 61/2018, de 21 de maio, onde deliberou aprovar, a 31/8/2019, os seguintes Planos Municipais?
  • II Plano Municipal de Ação para a Igualdade entre Mulheres e Homens da CMS
  • I Plano Municipal de Ação para a Prevenção e o Combate à Violência Contra Mulheres e à Violência Doméstica da CMS
  • I Plano Municipal de Ação para o Combate à Discriminação em Razão da Orientação Sexual, Identidade e Expressão de Género e Características Sexuais da CMS


Onde está o jovem de 17 anos?

Onde está o jovem de 17 anos? Vários rumores e lastros de relatos de reclusos/as, amigos/as e familiares nas redes sociais levam-nos a temer o pior. Onde está o jovem de 17 anos que estava preso em Custóias e foi internado em morte cerebral no hospital Pedro Hispano no Porto? No sábado dia 22 de […]

Alto risco para os projetos da Wikimedia em Portugal: Combatendo um processo estratégico contra a participação pública (SLAPP)

via: Wikimedia

27 July 2023 by Jacob Rogers and Kabir Choudhary

O processo judicial de César de Paço contra a Fundação Wikimedia é um caso legal em andamento em Portugal que levanta sérias preocupações sobre privacidade e liberdade de expressão. Estamos preocupados que este seja um processo estratégico contra a participação pública (SLAPP) desenhado para suprimir informações públicas bem fundamentadas. Estamos a travar este caso por duas razões: 1) para proteger os dados dos utilizadores voluntários que contribuem para biografias políticas; e 2) para estabelecer um precedente importante que proteja a capacidade de escrever biografias de pessoas vivas.

Nos últimos meses, a Fundação Wikimedia enfrentou um processo judicial movido por um indivíduo chamado César de Paço (também conhecido como Caesar DePaço), o qual representa uma ameaça aos projetos e utilizadores da Wikimedia em Portugal.

O caso teve início em agosto de 2021, quando de Paço se mostrou insatisfeito com as versões em português e inglês dos artigos a seu respeito. Esses artigos contêm informações sobre suas afiliações políticas de direita e acusações criminais passadas, assuntos que foram reportados em fontes confiáveis como relevantes para o público. O processo foi levado ao tribunal em Portugal, e a Fundação saiu vitoriosa na fase preliminar do caso. Assim como acontece na maioria dos tribunais no mundo, a decisão do tribunal de primeira instância protegeu a capacidade dos voluntários de pesquisar e escrever sobre tópicos notáveis, incluindo biografias. Contudo, o caso tomou um rumo peculiar no recurso de de Paço. Nós estamos a apresentar com uma série de recursos em Portugal para proteger a segurança dos usuários que contribuem com informações precisas e bem fundamentadas sobre tópicos importantes na Wikipedia. No nosso recurso datado de 5 de julho, solicitamos ao Tribunal de segunda instância português que encaminhasse várias questões legais importantes ao Tribunal de Justiça da União Europeia (CJEU). No entanto, o tribunal português decidiu contra nós a 13 de julho e exigiu que a Fundação fornecesse dados pessoais de vários usuários que trabalharam no artigo.

Acreditamos que essa última decisão não está em conformidade com a lei europeia. Neste caso, as informações sobre de Paço são relevantes para a política portuguesa e global em curso, e as informações sobre ele como pessoa são vistas como relevantes e importantes para o interesse público, tanto por fontes portuguesas confiáveis quanto pelos usuários portugueses da Wikipedia. Acreditamos que os usuários estavam certos e que o trabalho deles precisa ser protegido. Continuamos a explorar opções legais para contestar a decisão do tribunal e atualizaremos esta publicação com mais detalhes conforme o caso se desenvolva.

Sociedades cuja governança é fundamentada em padrões universais de direitos humanos procuram encontrar um equilíbrio entre o direito à liberdade de expressão e o direito à privacidade. Regras sobre difamação e privacidade de informações existem para garantir esse equilíbrio: uma pessoa que escreve informações precisas, bem fundamentadas e de relevância pública está protegida, enquanto uma pessoa que deliberadamente escreve informações falsas ou enganosas que prejudicam significativamente a reputação de alguém pode ser processada por fazê-lo. A lei funciona de maneira diferente para plataformas neutras de hospedagem de sites, como a Fundação Wikimedia, que hospeda a Wikipedia, mas, mais importante, não escreve, encomenda ou edita os artigos. Uma plataforma neutra de hospedagem pode ser processada quando tem conhecimento de que um usuário adicionou conteúdo ilegal ao seu site e se recusa a remover esse conteúdo.

Quando as pessoas tentam abusar da lei para censurar informações precisas e importantes, isso é chamado de SLAPP: processo estratégico contra a participação pública. Esse tipo de processo é projetado para explorar a lei e censurar pessoas que fornecem informações importantes e valiosas para o discurso público. Neste caso, estamos preocupados que seja exatamente o que de Paço está fazendo.

De Paço processou a Fundação em relação ao conteúdo dos artigos sobre ele. Esses artigos afirmam que reportagens em fontes portuguesas, incluindo a SIC (uma conhecida rede de televisão portuguesa), indicaram associações entre de Paço e o partido político de extrema-direita Chega em Portugal. Eles também abordam alguns dos problemas legais passados de de Paço, que os editores voluntários da Wikipedia consideraram relevantes para entender sua biografia. Essas reportagens, que cobriram o assunto em 2020 e 2021, continuam disponíveis e relevantes para o público português e outros leitores. Acreditamos que de Paço está abusando do sistema judicial ao prosseguir com esse caso e que isso deve ser visto como uma tentativa de SLAPP contra a Wikipedia.

O caso tem passado por várias etapas muito rapidamente em junho e julho de 2023.

Primeira sentença e primeiro recurso

Inicialmente, o tribunal de instância inferior decidiu a favor da Fundação, observando que a liberdade de expressão e o interesse público prevaleciam sobre o direito de de Paço de manter em sigilo informações sobre suas associações políticas. No entanto, no recurso inicial, o tribunal de segunda instância anulou a decisão do tribunal inferior numa decisão surpreendente: levantou argumentos que de Paço nem sequer havia apresentado — referentes ao Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) da União Europeia — e usou esses argumentos-surpresa para ordenar que a Fundação divulgue os dados dos utilizadores a de Paço, bem como remova todas as informações relacionadas às suas associações políticas e questões legais passadas.

A decisão de apelação original determinou que, de acordo com as leis de Portugal que implementam o RGPD, apenas jornalistas profissionais poderiam discutir as afiliações políticas de alguém. Sustentou que os wikipedistas não se qualificavam para essa isenção e não considerou quaisquer outras exceções usuais (como aquelas que permitem o compartilhamento de informações para fins educacionais ou arquivamento histórico). Também ordenou a exclusão de material sobre acusações criminais passadas e exigiu que a Fundação identificasse os editores voluntários da Wikipedia que trabalharam nessas seções.

Pedido para anular o primeiro recurso

Então, pedimos ao tribunal de segunda instância que reconsiderasse sua própria decisão ( um processo chamado “anulação”) e o tibunal fez isso, decidindo que a Fundação não teve uma oportunidade justa de preparar adequadamente argumentos relativos a questões mais amplas de lei europeia de privacidade, que são fundamentais para proteger tanto os dados dos utilizadores quanto a integridade do conteúdo da Wikipedia.

Segundo recurso

No nosso recurso datado de 5 de julho, solicitamos ao tribunal de apelação português que decidisse a nosso favor, a fim de proteger os utilizadores e seus dados, bem como a integridade de seu trabalho. Para ser claro, quando dizemos “integridade” nós queremos dizer, garantir que informações precisas e de boa fé contribuídas pelos utilizadores sejam protegidas. Não acreditamos que os sujeitos de artigos devam ter o direito de eliminar seletivamente informações de relevância pública para distorcer como eles são descritos e percebidos. Também identificamos várias questões relacionadas ao RGPD da UE que acreditamos que os tribunais portugueses precisavam encaminhar ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), uma vez que a lei portuguesa pode ter implementado incorretamente o RGPD em detrimento da liberdade de expressão e da liberdade de informação. Especificamente, observamos que o TJUE deveria ser questionado sobre três questões principais.

  • A primeira é se os sujeitos de biografias na Wikipedia devem ter o direito, de acordo com o RGPD, de exigir a completa eliminação de material online que desejam que seja retirado do conhecimento público, apesar da aplicabilidade internacional limitada do RGPD.
  • A segunda questão diz respeito à extensão em que as proteções do interesse público, jornalismo, educação e liberdade de expressão devem ser implementadas na legislação de cada Estado-Membro da UE. Essas proteções devem permitir que os editores voluntários da Wikipedia escrevam informações neutras, precisas e bem fundamentadas sobre figuras notáveis, incluindo detalhes sobre suas políticas e associações políticas, mesmo que os sujeitos desses artigos não concordem com o que está a ser dito.
  • A terceira e última questão é se um tribunal deve ser autorizado a ordenar a divulgação das informações pessoais dos editores voluntários da Wikipedia tão precocemente em um processo judicial, especialmente quando essa proteção é fundamental para permitir que os voluntários contribuam livre e confiantemente para a Wikipedia.

A 13 de julho, o tribunal de recurso português decidiu sobre o caso. Ele reverteu a sua decisão anterior, concluindo que o RGPD da UE não se aplicava à Wikipedia. Isso significa que os artigos da Wikipedia estavam, portanto, autorizados a incluir informações sobre as associações políticas de de Paço. Tendo decidido que o RGPD não se aplicava, o tribunal entendeu que não precisava perguntar ao TJUE para considerar as questões que tínhamos proposto. No entanto, o tribunal ainda decidiu contra a Fundação: determinou que a lei geral portuguesa de privacidade e difamação se aplicaria à discussão de acusações criminais passadas, e, portanto, essas informações deveriam ser excluídas.

De forma pouco comum, o tribunal mais uma vez parece ter levantado argumentos que de Paço não apresentou, desta vez declarando que a implementação portuguesa da legislação europeia para provedores de websites não protege nem a Fundação, nem os editores voluntários da Wikipedia que escreveram sobre de Paço.

Portanto, mais uma vez, ordenou à Fundação que apague informações sobre certos assuntos históricos envolvendo de Paço, como alegações de conduta imprópria, e que identifique os editores voluntários que adicionaram esse conteúdo.

No momento, estamos a estudar opções para um recurso adicional.

Por que o caso é importante

Os artigos da Wikipedia são escritos e editados inteiramente por editores voluntários, que também estabelecem e aplicam as regras para fontes e relevância em diferentes tópicos e em diferentes idiomas. Os artigos da Wikipedia – e essas regras de fontes e relevância – abrangem biografias de figuras públicas notáveis, incluindo pessoas que se tornam notáveis por apoiar políticos ou partidos políticos. De Paço é uma dessas figuras notáveis tanto para o público português quanto para o público de língua inglesa: ele é um celebrado apoiador de autoridades públicas no exterior (especialmente agências policiais dos EUA) e um líder empresarial global.

Uma decisão que possa punir indivíduos de todo o mundo simplesmente por resumirem e publicarem na Wikipedia o que foi dito sobre uma pessoa notável nos meios de comunicação social teria um efeito intimidatório inaceitável na liberdade de expressão e da informação em todo o mundo. É particularmente preocupante se a decisão em questão esperar que cada editor voluntário individual examine todas as contribuições e fontes anteriores fornecidas num artigo antes de as adicionar.

A Wikipedia funciona melhor quando cada editor voluntário pode pesquisar as suas próprias contribuições, ao mesmo tempo em que confia no trabalho de outros editores voluntários para o que já está lá, melhorando gradualmente os artigos ao longo do tempo. Se o tribunal decidir que cada editor voluntário que trabalha num artigo pode tornar-se responsável por tudo o que está no artigo, contribuir para a Wikipedia tornarar-se-á muito mais difícil, não apenas em Portugal, mas potencialmente em outros lugares também.

Queremos dar garantias a wikipedistas, bem como leitores, de que a Fundação não forneceu nenhuns dados neste caso. Tratamos os dados dos utilizadores com muito cuidado e exigimos que as solicitações de dados sigam nossos procedimentos e diretrizes para a solicitação de dados não públicos. Estamos esperançosos de que os tribunais portugueses encaminhem nosso caso ao TJUE para obter uma decisão que proteja os editores voluntários que realizam pesquisas de boa fé sobre assuntos notáveis e contribuem para projetos de conhecimento livre, como a Wikipedia. No final, também esperamos que eles concordem conosco sobre a importância de proteger a liberdade de informação e a discussão de boa fé sobre assuntos de interesse público.

Convocatória para a Semana Internacional de Solidariedade com os Prisioneiros Anarquistas 2023 // 23 a 30 de agosto

via A.N.A. – Agência de Notícias Anarquistas

O mundo está pegando fogo. A crise climática está piorando e, em vez de máscaras contra a Covid-19, as pessoas agora precisam usar máscaras contra a fumaça dos incêndios florestais. Ao mesmo tempo, grandes áreas são inundadas devido às fortes chuvas causadas pela poluição ambiental contínua. Nada disso se deve às escolhas individuais das pessoas. Não se deve ao fato de comprar o produto errado no supermercado, mas é causado pela exploração sistemática da natureza e da humanidade. São os governos e as grandes corporações que estão nos conduzindo a uma catástrofe climática que, no momento, parece imparável.

Os governos e as grandes corporações criaram um mundo no qual os ricos são mais importantes do que os demais. Isso ficou especialmente visível quando a mídia mundial não tinha nada melhor para fazer do que falar por cinco dias sobre um submarino desaparecido cheio de cinco pessoas ricas, enquanto centenas de outras pessoas morriam no Mar Mediterrâneo na tentativa de obter melhores oportunidades para suas vidas.

As políticas de extrema direita, conservadoras e autoritárias estão em ascensão em todo o mundo. Alguns as utilizam para iniciar guerras e matar milhares de pessoas, outros para construir cercas e policiar o que acreditam ser sua propriedade, e outros para se armar no mundo digital. A vigilância está aumentando e os Estados estão cada vez mais se intrometendo em nossos espaços privados, analisando nossas conversas particulares e coletando dados sobre nós com uma profundidade e detalhes que jamais poderíamos imaginar. As ferramentas dos Estados para esmagar a resistência, até mesmo a própria ideia de lutar contra o sistema, estão sendo aprimoradas a cada minuto. Muitos anarquistas, antiautoritários, ativistas ambientais e antifascistas em todo o mundo enfrentam repressão porque agir anonimamente em um mundo digitalizado está mais difícil do que nunca.

Com todos os obstáculos que se interpõem em nosso caminho na luta por um mundo melhor, as ideias e os valores anarquistas continuam sendo importantes. Em tempos de crise, os métodos de organização coletiva, ajuda mútua e o princípio de solidariedade começam a brilhar. O sistema entrará em colapso e devemos nos preparar para retomar um mundo que nos foi roubado por corporações, proprietários de iates e pela indústria bélica. Um mundo que foi feito para todos. E enquanto nossos amigos são colocados atrás das grades e os Estados tentam escondê-los nos cantos mais escuros de suas prisões, não ficaremos parados, mas lutaremos até que eles sejam livres novamente.

Vamos derrubar os muros juntos!

É por isso que convocamos novamente a Semana Internacional de Solidariedade com os Prisioneiros Anarquistas. Faça alguma ação de solidariedade! Escreva cartas, organize discursos ou exibições de filmes, torne nossos companheiros visíveis nas ruas com uma faixa ou grafite e deixe-os ver que estão em nossos corações e que lutamos juntos.

Vamos nos lembrar daqueles que lutaram contra essa injustiça e pagaram com suas vidas.

https://solidarity.international/

Hollywood está parada! 170 mil artistas em greve

Enquanto os +500 músicos despejados se manifestam hoje no Porto contra o despejo do STOP, aproveitamos para relembrar a quem gosta de cinema e andava distraíde que Hollwood está parada, com 160 mil atores e 11 mil escritores em greve simultânea.

Desde 12/07 a SAG-AFTRA (Screen Actors Guild-American Federation of Television and Radio Artists), sindicato que cobre trabalhadores da cultura, está a sustentar uma greve contra empresas como a Netflix, Warner Bros, Disney, Apple e Amazon, juntando-se ao Writers Guild, sindicato de escritores que tinha iniciado uma paralisação principalmente em protesto por causa do uso da Inteligência Artificial pelas empresas de entretenimento.

Os estúdios querem o direito a propôr contratos que lhes permitam digitalizar os corpos, as vozes e outras características de actores individuais, incluindo figurantes, e depois deter os direitos sobre as imagens de IA para sempre.

Os 11 mil escritores estão em piquete há mais de 70 dias, e sindicato, o Writers Guild of America, ainda não voltou a negociar com os estúdios.

A aposta dos estúdios aparentemente é esperar até ao fim do ano, deixar que a maior parte dos trabalhadores fiquem sem dinheiro para depois voltar a negociar para ditar os termos dos contratos.

A 20 de Junho, a Broadway “evitou” uma greve. A International Alliance of Theatrical Stage Employees (IATSE) apelou a uma votação de autorização de greve para os 1.500 membros do sindicato, que incluem ajudantes de palco, cabeleireiros e maquilhadores e departamentos de guarda-roupa, entre outros. A potencial greve poderia ter encerrado 41 produções já no dia 21 de julho.

O mundo do entertenimento está em tumulto!

Partilhamos uma notícia, já da semana passada da Democracy Now, onde o assunto é exposto:

Democracy Now:

Os actores de televisão e cinema estão a entrar em greve após um fracasso nas negociações entre o sindicato SAG-AFTRA e os estúdios de Hollywood. Mais de 160 000 membros do sindicato estão a participar na primeira grande greve de actores desde 1980. É também a primeira vez, desde 1960, que actores e argumentistas entram em greve ao mesmo tempo, com os membros do Writers Guild of America nos piquetes de greve desde o início de maio. Ambos os sindicatos afirmam que os salários não acompanharam o ritmo da era do streaming, e que mesmo as séries e os filmes de sucesso já não são garantia de um rendimento estável. Os grandes estúdios estão também a pressionar para a adoção de ferramentas de inteligência artificial que poderão incluir a digitalização da imagem dos actores para serem reutilizadas perpetuamente. “Parece haver um esforço concertado por parte destas empresas para tentar quebrar os sindicatos do entretenimento”, diz Shaan Sharma, membro da direção do SAG-AFTRA de Los Angeles e membro do comité de negociação.

NERMEEN SHAIKH: Os actores de televisão e cinema dirigem-se hoje para o piquete de greve, depois de a direção nacional do Screen Actors Guild ter votado unanimemente a favor da greve. A votação teve lugar depois de as conversações com um mediador federal, com o objetivo de chegar a um novo contrato de trabalho, terem falhado à última hora. Mais de 160.000 membros do sindicato estão a participar na primeira grande greve de actores desde 1980. A greve ocorre dois meses e meio depois de os argumentistas de Hollywood também terem abandonado o trabalho. Esta é a primeira vez desde 1960 que actores e argumentistas entram em greve ao mesmo tempo. Quando os actores se juntam aos argumentistas na linha de piquete, exigem melhores salários e protecções numa era em que os serviços de streaming dominam e a inteligência artificial ameaça a subsistência dos artistas.

A presidente do SAG-AFTRA, Fran Drescher, falou na quinta-feira.

FRAN DRESCHER: O que acontece aqui é importante, porque o que está a acontecer connosco está a acontecer em todos os campos de trabalho, quando os empregadores fazem de Wall Street e da ganância a sua prioridade e se esquecem dos colaboradores essenciais que fazem a máquina funcionar. …

Nós é que somos as vítimas. Estamos a ser vitimados por uma entidade muito gananciosa. Estou chocado com a forma como as pessoas com quem temos feito negócios nos estão a tratar. Não consigo acreditar, muito francamente, na distância que nos separa em tantas coisas, na forma como alegam pobreza, que estão a perder dinheiro a torto e a direito, quando dão centenas de milhões de dólares aos seus directores executivos. …

Todo o modelo de negócio foi alterado pelo streaming, pelo digital, pela IA. Este é um momento histórico que é um momento de verdade. Se não nos erguermos agora, vamos estar todos em apuros. Vamos todos correr o risco de sermos substituídos por máquinas. …

Não se pode mudar o modelo de negócio tanto quanto ele mudou, e não esperar que o contrato também mude. Não vamos continuar a fazer alterações incrementais num contrato que já não honra o que está a acontecer neste momento com este modelo de negócio que nos foi imposto. O que é que estamos a fazer? A mudar a mobília de lugar no Titanic? É uma loucura.

Portanto, a AMPTP está de pé. Estamos de pé. Têm de acordar e sentir o cheiro do café. Somos trabalhadores e estamos de pé. E exigimos respeito e que nos honrem pela nossa contribuição. Partilhem a riqueza, porque não podem existir sem nós. Obrigado.

AMY GOODMAN: Esta foi a Presidente do SAG-AFTRA, Fran Drescher, conhecida pelo seu papel na sitcom dos anos 90, The Nanny.

A Alliance of Motion Picture and Television Producers, que representa os principais produtores de televisão e cinema, acusou o sindicato dos actores de se afastar das negociações. Numa declaração, a AMPTP disse que a sua oferta incluía aumentos históricos de salário e de resíduos, bem como uma proposta de IA “inovadora” que protege a imagem digital dos actores.

Para falar mais sobre a greve, juntou-se a nós Shaan Sharma. Ele é um ator que faz parte do comité de negociação do SAG-AFTRA.

Uma nota de divulgação: Os funcionários do Democracy Now! são representados pelo SAG-AFTRA, mas estão abrangidos por um contrato sindical diferente do dos actores.

Shaan Sharma junta-se a nós de Salt Lake City, no Utah, onde tem estado a filmar a quarta temporada de The Chosen.

Shaan, bem-vindo ao Democracy Now! Se puderes responder, explica e elabora as razões desta greve. Quais são as reivindicações?

SHAAN SHARMA: Bem, antes de mais, não pedimos esta greve. Há mais de um mês que estamos a negociar de boa fé. Tivemos uma janela de negociação truncada no início, simplesmente por causa das negociações da Writers Guild e depois das negociações da Directors Guild, o que nos deu apenas três semanas. Apresentámos um pacote muito justo desde o início do processo. E tornou-se claro para nós muito rapidamente que os representantes dos nossos empregadores não estavam interessados em negociar connosco da mesma forma e estavam a empatar-nos. Concedemos uma prorrogação sem precedentes de 12 dias para continuarmos a negociar, que eles desperdiçaram, cancelaram reuniões e parece que foi apenas um estratagema para tentar promover os seus filmes de verão antes de saberem que acabaríamos por ter de entrar em greve, porque parece haver um esforço concertado por parte destas empresas para tentar quebrar os sindicatos do entretenimento. O DGA não lutou contra eles da mesma forma que o Writers Guild e agora o SAG-AFTRA. E, por isso, querem empobrecer-nos para nos obrigarem a aceitar um mau acordo.

NERMEEN SHAIKH: E, Shaan Sharma, pode explicar as preocupações em torno do streaming e da inteligência artificial?

SHAAN SHARMA: Bem, o streaming, claro, este é o primeiro ano em que o streaming se tornou a principal forma de as pessoas consumirem os seus media. E os nossos contratos foram concebidos para uma época muito diferente, com origem na televisão linear em redes de radiodifusão e cabo. Portanto, havia uma relação entre os programas que precisavam de captar audiências e vender publicidade, e nós teríamos uma participação numa espécie de cauda longa de receitas que é gerada tanto pela emissão inicial de um programa como pela sindicação de programas. Agora, com o streaming, livraram-se de qualquer uma dessas receitas baseadas no desempenho em que participamos, por uma taxa de subscrição que cobram, mas não partilhamos qualquer parte dessas receitas. Por isso, fomos espremidos e impedidos de participar numa forma importante de os nossos membros se sustentarem financeiramente.

Com a inteligência artificial, eles agora têm a tecnologia e estão a lutar para tentar alterar as propostas que temos para proteger os nossos membros. Tentaram reconfigurar e reescrever as propostas, que apenas pedimos para a proteção dos direitos humanos básicos, para tentarem ter o direito de nos digitalizar, de se apropriarem da nossa imagem para sempre, incluindo depois de morrermos, de nos usarem nos seus filmes sem qualquer consentimento, sem qualquer compensação para os nossos artistas, especialmente os artistas de fundo. É desumano. É distópico. E é muito assustador, porque acabámos de ver, através da pandemia, que os artistas intérpretes ajudam a nossa cultura a sobreviver, por exemplo, a uma emergência de saúde que ocorre uma vez numa geração ou uma vez na vida. E numa altura em que o nosso valor é mais claro do que nunca para a comunidade, parece que os nossos empregadores nos querem diminuir mais do que nunca.

NERMEEN SHAIKH: Bem, como mencionámos, a última vez que escritores e realizadores estiveram em greve foi em 1960. Nessa altura, só para dar uma ideia do quanto as coisas mudaram, é claro que não havia nem streaming nem inteligência artificial e Ronald Reagan era o presidente do SAG, que ainda não se tinha fundido com a AFTRA. Na altura, no final da greve, ambos os sindicatos tinham conseguido benefícios de saúde, pensões e resíduos de filmes. Poderia comentar esse facto e o que espera que possa resultar deste processo? Quando é que as conversações serão retomadas?

SHAAN SHARMA: Bem, não temos quaisquer conversações programadas para serem retomadas, porque acabámos de declarar a greve ontem. Há duas noites, sentámo-nos à frente dos representantes dos nossos empregadores e dissemos: “Estamos dispostos a negociar de boa fé, mas é evidente que não têm agido de boa fé”. A parte deles nas negociações fez ameaças contra os nossos membros, incluindo ameaças às nossas carreiras. Eles mentiram à imprensa. Divulgaram informações à imprensa para violar o nosso bloqueio mediático. Insultaram as crianças e os direitos das crianças nos cenários e nas suas contribuições para a saúde e para as pensões. Foi inconcebível o que testemunhámos. É como estar sentado à mesa do outro lado da sociopatia que parece estar a comandar a América empresarial hoje em dia, onde, aparentemente, os directores executivos podem receber bónus baseados no desempenho, mas os empregados que tornam tudo isso possível não. Por isso, é assustadora a situação com que nos deparamos. Por isso, não há conversações agendadas.

Quanto à década de 1960, eu não seria ator hoje se não fosse o plano de saúde que foi estabelecido a muito custo pelos sacrifícios dos nossos membros em 1960, incluindo a renúncia a todos os seus resíduos até essa altura para estabelecer os planos de pensões e de saúde de que desfrutamos até hoje. E esse plano de saúde tem sido esventrado pelos nossos empregadores ao longo dos últimos 40 anos, ao ponto de membros como o grande Ed Asner, que foi presidente do Screen Actors Guild, terem abdicado de todos os seus resíduos antes de 1960 para estabelecer o plano de saúde, para depois serem afastados dele aos 91 anos, quando o plano de saúde foi forçado a fazer alterações porque os nossos empregadores não melhoraram os limites máximos de contribuição para as pensões e para a saúde – os limites máximos de contribuição para as pensões e para a saúde que financiam os nossos planos de saúde. Portanto, estamos num momento existencial com a IA, mas também estamos num momento existencial para os direitos básicos dos cuidados de saúde e para a capacidade de fazer o que gostamos e de ter um rendimento de reforma depois de uma carreira próspera.

NERMEEN SHAIKH: Bem, Shaan, mencionou, claro, a América corporativa e a posição de CEOs proeminentes. Falemos do diretor executivo da Disney, Bob Iger, que apareceu na CNBC na segunda-feira e criticou o sindicato dos actores por ter convocado uma greve.

ROBERT IGER: Acho que é muito perturbador para mim. Falámos de forças disruptivas neste negócio e de todos os desafios que estamos a enfrentar e da recuperação da COVID, que está em curso. Não está completamente de volta. Esta é a pior altura do mundo para aumentar essa perturbação. … Há um nível de expetativa que eles têm que não é realista, e estão a acrescentar a um conjunto de desafios que este negócio já está a enfrentar e que é, francamente, muito perturbador.

DAVID FABER: Então não estão a ser realistas?

ROBERT IGER: – e perigosos. Não, não estão.

Porquê?

ROBERT IGER: Não posso – não posso – não posso responder a essa pergunta.

NERMEEN SHAIKH: Este foi o diretor executivo da Disney, Rob Iger, que ganha 27 milhões de dólares por ano. Estava a falar de Sun Valley, Idaho, onde está a participar numa reunião que foi descrita como um “campo de férias para bilionários”. Então, se puderes responder ao que ele diz? E também, explicar – sabe, as pessoas têm a sensação de que Hollywood tem tudo a ver com celebridades e enormes somas de dinheiro para os artistas, mas eu só quero citar o que o ator Danice Cabanela disse na quinta-feira. Ela disse: “É uma percentagem muito, muito pequena do sindicato de mais de 160.000 membros que pode realmente viver do trabalho que fazemos”.

Correto.

NERMEEN SHAIKH: Então, se pudesses falar sobre isso? Responder ao que disse o diretor-geral da Disney. E depois, de facto, quantas pessoas ganham um salário para viver da representação?

SHAAN SHARMA: Sim, a entrevista com o Bob foi incrivelmente triste para qualquer pessoa que trabalhe em entretenimento, e especialmente para aqueles de nós que criam o trabalho que permite que ele seja pago tão bem quanto ele é pago. É tão absurdo pensar que alguém como ele, que pode, sabe, receber tudo – penso que no seu contrato, ele vai receber um bónus de 500% do seu salário base com base no desempenho das acções da Disney, enquanto os artistas que dão valor à empresa, se recusam a permitir que participemos nas receitas que geramos para eles.

Nos últimos anos, estas empresas têm-se empenhado numa despesa absolutamente imprudente com a programação, tentando competir pelas assinaturas, e nós não participamos em nenhuma dessas receitas. E agora que se excederam e estão a começar a mudar para um modelo mais apoiado na publicidade, semelhante ao da televisão, estão a reclamar pobreza, simplesmente porque Wall Street não está a exigir crescimento, está a exigir rentabilidade. A culpa não é nossa. Nós somos os trabalhadores. Os riscos que estas empresas assumiram estão nas nossas costas.

E para ele nos dar um sermão sobre sermos perturbadores, eles perturbaram a vida de todos os nossos membros que estão a tentar ganhar a vida neste sector. É vergonhoso para ele dizer uma coisa dessas. Como disse o nosso presidente, a razão pela qual temos sindicatos é porque as pessoas não fazem o que é correto. E como alguém que fez a sua carreira no sector do entretenimento, ele devia saber que não deve ser condescendente com os artistas incríveis que dão valor à sua empresa. Por isso, não sei mais o que dizer sobre isso.

NERMEEN SHAIKH: Pode falar sobre a questão do pagamento das audições, que é exigido há mais de 86 anos mas nunca foi posto em prática?

SHAAN SHARMA: Bem, isso não é verdade. Nos primeiros tempos do nosso sindicato, toda a gente tinha contrato. Quase todos os nossos actores eram contratados pela MGM, Paramount, Disney, etc., o que significa que não só eram pagos pelas audições, como também recebiam um salário semanal. Também lhes eram dadas aulas de representação, de dança, de movimento, etc., uma grande formação clássica completa, porque éramos activos desses estúdios.

Quando a decisão sobre Olivia de Havilland pôs em causa esses contratos, esses sistemas de contratos, naquilo que costumava ser conhecido como o star system, o sistema de estrelas dos estúdios, começaram a acabar. Para os artistas independentes que não estavam sob contrato, tínhamos direito a uma compensação pelo trabalho criativo que colocávamos nas nossas audições. Mas agora, desde que o sistema de estrelas de estúdio desapareceu, praticamente nenhum de nós está sob contrato.

As disposições do nosso contrato relativas à remuneração das audições garantem que o trabalho criativo que colocamos no processo de pré-produção das produções, onde interpretamos efetivamente o material, os ajuda a ver a escrita de uma nova forma – o que leva a mudanças na narrativa. Por vezes, reescrevem o papel, reescrevem o guião. Assim, contribuímos com a nossa propriedade intelectual para o processo de pré-produção, e isso sempre foi suposto ser compensado.

Mas, atualmente, somos obrigados a suportar o fardo do processo de casting, porque já não fazem castings presenciais. Estão a obrigar-nos a gravar nas nossas próprias casas, utilizando os nossos amigos e familiares como mão de obra gratuita para estas audições, e esperam que façamos tudo isto sem qualquer compensação. Os nossos membros não sabiam que estas disposições constavam do nosso contrato, porque temos um problema de literacia contratual no nosso sindicato, em que os nossos membros não lêem e não são devidamente informados sobre os seus contratos. Estamos a mudar isso. Mas nada disso altera o facto de que não só estamos a fazer o trabalho técnico que o casting costumava fazer, como também estamos a fazer o trabalho criativo que sempre fizemos, e agora os nossos amigos e familiares estão a ser tratados como empregados gratuitos para os nossos empregadores, para lerem connosco nas nossas audições.

Assim, o pagamento das audições é uma forma muito importante de injectarmos quase mil milhões de dólares nos membros da classe trabalhadora do sindicato, que, a propósito da sua pergunta anterior, apenas 12,5% dos nossos membros têm direito a seguro de saúde. E o limite de qualificação para o seguro de saúde é de apenas 26.470 dólares. Isto significa que 87% dos nossos membros não ganham mais de 26.000 dólares por ano. E isso é chocante para os artistas, dos 170.000 artistas que temos e que fazem a maior parte do trabalho profissional para televisão e cinema que a AMPTP produz.

NERMEEN SHAIKH: Muito obrigada, Shaan Sharma. Shaan Sharma é ator e membro da comissão de negociação do SAG-AFTRA.